A propósito da Grécia e da crise na União Europeia
A Grécia constitui certamente o mais grave exemplo das brutais medidas de exploração e opressão impostas aos povos dos países integrados na União Económica e Monetária e sujeitos ao colete de forças da moeda única e ao garrote da dívida externa. Seja em função de processos de intervenção externa, por via da UE e do FMI, seja em função do colete de forças que decorre do próprio Euro, os últimos anos ficaram marcados por uma significativa aceleração das medidas ditas de austeridade: desemprego em massa, empobrecimento de uma larga maioria da população, aumento da exploração, privatizações, quebras significativas no PIB com uma enorme destruição de capacidade produtiva, foram algumas das consequências. Mas longe de constituir uma situação isolada, deste ou daquele país, o «problema grego», que nos últimos meses atingiu grande visibilidade, é sobretudo expressão da própria crise do capitalismo e da grande instabilidade e incerteza sobre o desenvolvimento da situação internacional, bem como do agudizar das contradições decorrentes do processo de integração capitalista europeu.
Exploração, empobrecimento e vontade de dizer Basta!
A Grécia, com a irrupção da crise capitalista em 2008, agravada posteriormente com a intervenção da troika estrangeira (a partir de Maio/2010), sofreu uma verdadeira catástrofe social, abundantemente relatada e comentada. Basta recordar aqui os seis anos seguidos de recessão, com uma perda de perto de 1/4 do produto por habitante, o crescimento descomunal do desemprego, que ultrapassa os 25% da população activa (com uma taxa duas vezes superior nos jovens), o empobrecimento massivo da população, com a diminuição drástica dos salários, das reformas, do acesso aos serviços públicos e o incremento brutal da desprotecção social e da degradação das condições materiais de vida.
Do ponto de vista do grande capital, dos governos gregos e da UE, a actuação foi perfeitamente coerente e a que se esperava. Não houve enganos ou exageros, erros de cálculo ou excesso de avidez, como alguns se prontificam a dizer. Perante o aprofundamento da crise, para o grande capital não importa que mais de 1/4 da população fique desempregada e sem meios de compra – um enorme exército de reserva para o capital –, que a precariedade se intensifique e generalize, que a pobreza engrosse e se solidifique, tal é o resultado expectável, natural e necessário da crise, que exige aquilo que for preciso para contrariar a baixa das taxas de lucro. Tratava-se, numa «luta de vida ou de morte», de elevar brutalmente a exploração, diminuindo os custos unitários do trabalho. Diminuindo igualmente o custeio, por parte do capital, da segurança social e dos gastos sociais do Estado (outra forma de aumentar, indirectamente, a taxa de exploração), com os cortes das reformas e pensões e da despesa pública e o desagravamento da fiscalidade sobre o grande capital. E, claro, destruindo a força organizada de resistência a esse aumento (directo e indirecto) da exploração, nomeadamente com a desregulamentação laboral, a destruição da contratação colectiva, que foi muito longe na Grécia, e a criminalização do movimento operário e popular.
De facto, no meio das inúmeras vicissitudes e episódios vários que o processo em torno da Grécia tem vindo a revelar é preciso não perder de vista as questões de fundo que estiveram e estão em presença: a dramática situação para onde o povo grego foi conduzido e a sua vontade de lhe pôr fim; as contradições e dificuldades cada vez mais visíveis em torno do processo de integração capitalista na UE e do Euro, que, independentemente do novo memorando celebrado com os credores, perduram e tenderão a aprofundar-se; e a própria crise e natureza do capitalismo, cuja lógica de funcionamento conduz, invariavelmente, ao aumento da exploração e expropriação dos povos.
Tal como em Portugal, a troika foi um instrumento da grande burguesia grega e europeia, aquela integrada e subordinada a esta, para forçar e obter o violento aumento de exploração requerido. Isso, no fundamental, foi conseguido. O programa de exploração da troika e o resultante empobrecimento da população levaram a Grécia a bater no fundo.
A reacção do povo grego, expressa em inúmeras lutas ao longo destes anos, em que os comunistas e o movimento sindical de classe tiveram um importante papel, assumiu particular significado nas eleições de Janeiro de 2015 e mais recentemente no referendo de 5 de Julho, seja com a expressiva derrota do PASOK e da Nova Democracia nas eleições, seja com a larga vitória do «Não» no referendo, isto apesar da monstruosa campanha de ameaça, chantagem e ingerência externa que, entretanto, se verificou, e às quais o povo grego disse Basta!
Na verdade, aumenta cada vez mais o fosso que separa a propaganda e a realidade com que milhões de homens e mulheres são confrontados e, sobretudo, aumenta a consciência colectiva de tal facto. Este mesmo aspecto, pese embora todo o bombardeamento mediático que foi desenvolvido nos últimos meses, pesará cada vez mais – assim as forças democráticas, progressistas e revolucionárias saibam intervir de forma adequada – nas lutas que se travam e travarão no futuro.
Não há alternativa sem ruptura com a integração capitalista europeia
Em Portugal, o Governo PSD/CDS, Presidente da República e o próprio PS (cuja demarcação do governo foi meramente formal) não só deram cobertura a todo o processo de chantagem e ingerência sobre o povo grego, como procuraram e procuram instrumentalizar a questão grega para não só justificar a política de direita que têm prosseguido, mas também, ao mesmo tempo que desviavam as atenções sobre a situação do país, alimentar uma estratégia de medo pensando nas próximas eleições legislativas e na política que pretendem eternizar.
Acompanhando as novas e brutais imposições à Grécia, humilhando e castigando o seu povo por ter tido a «ousadia» de se erguer contra as políticas de exploração e opressão da UE, a classe dominante pretende fazer passar a mensagem de que «não é possível qualquer alternativa» de progresso e soberania e que, qualquer que seja a vontade de um povo, incluindo quando a mesma se expressa em eleições, não é possível mudar os aspectos mais estruturantes das políticas impostas pela UE. Dirigida a Portugal, tal mensagem significaria que o povo português tem de conformar-se com o prosseguimento das políticas de direita e de submissão nacional que há décadas o oprimem, no fundo que não há alternativa.
Mas o que verdadeiramente resulta no plano nacional sobre este processo é a confirmação da justeza das posições do Partido. Tinha e tem razão o PCP, quando afirmamos que a dívida pública é insustentável e reclamamos a necessidade da sua renegociação nos seus prazos, juros e montantes. Tinha e tem razão o PCP quando defende a necessidade do estudo e preparação do país para a sua libertação da submissão ao Euro, apontando como objectivo a recuperação da soberania económica, orçamental e monetária, quando considera o Euro um obstáculo que se não for removido inviabilizará uma política alternativa. Tinha e tem razão o PCP quando coloca no centro da política alternativa, patriótica e de esquerda pela qual nos batemos a necessidade de romper com os constrangimentos e imposições da UE, quando ao expressar a sua solidariedade para com o povo grego sempre afirmou que a sua vontade de mudança, para não ser defraudada, requereria um claro enfrentamento com as imposições da UE. Tinha e tem razão o PCP ao afirmar que tal caminho, tal processo de ruptura, é inseparável de uma forte consciência, apoio e mobilização das massas, que em vez de uma atitude de cedência e submissão o que a situação reclama é um compromisso de luta, de resistência, de afirmação do direito inalienável do povo português a decidir do seu destino.
Nas próximas eleições legislativas, cujo desfecho influenciará a situação nacional nos próximos tempos, colocam-se redobradas necessidades no esclarecimento do povo português sobre aquilo que está em causa: de um lado, o aprofundamento da política de exploração, empobrecimento e submissão que o PS, o PSD e o CDS querem levar por diante, do outro, a alternativa patriótica e de esquerda que o PCP propõe e à qual o voto na CDU dá expressão visando a libertação do país, assegurando um Portugal com futuro.
Na situação actual não são de excluir, bem pelo contrário, novos ensaios visando saltos qualitativos nos processos de exploração dos trabalhadores e dos povos, de ingerência e usurpação da soberania, onde são visíveis velhas pretensões hegemónicas da parte da Alemanha mas não só, que tiveram consequências trágicas na recente história da humanidade. Pelo que não nos enganaremos se dissermos que a luta contra a política de direita, contra a «Europa» dos monopólios, contra os processos de ingerência e de expropriação de recursos e soberania não só prosseguirá, como tenderá a intensificar-se. As razões de fundo que levaram à agudização da crise não só não desapareceram, como aí estão, em grande parte reforçadas. Há perigos imensos no horizonte, mas também razões para que, com confiança, se prossiga o exigente caminho de abrir brechas na muralha do inimigo e avenidas novas onde a aspiração a uma vida melhor possa ser uma realidade.
De facto, está nas mãos dos trabalhadores e do povo português, com a sua força, as suas realizações e os seus próprios objectivos, prosseguindo as melhores experiências de uma história de quase nove séculos, derrotar o governo e a política de direita, assegurar a libertação do domínio dos grupos económicos e financeiros e da submissão externa e abrir o caminho da emancipação social e nacional.